A Questão Humana

O grande trunfo do muito premiado filme “A Condição Humana” (2007), de Nicolas Klotz, é o inteligente e polêmico roteiro baseado no livro de François Emmanuel.

Nele vemos Simon, um psicólogo indústrial, ser convocado para uma delicada tarefa – avaliar secretamente a saúde mental do presidente da empresa onde trabalha, uma sucursal francesa de um conglomerado alemão. Logo o psicólogo se dá conta dos jogos de poder entre os diretores da empresa e de que pode estar havendo uma conspiração para eliminar o presidente. Suas investigações avançam e o levam à descoberta do passado nazista de seus superiores. Ao mesmo tempo, Simon começa a questionar seu próprio trabalho, especialmente os procedimentos realizados por ele mesmo nodownsizing da empresa, quando, sem questionar os motivos, obedeceu às ordens superiores de eliminar a metade dos funcionários, descartando-se impiedosamente de todos aqueles tidos como “doentes” e “problemáticos”. Percebe que sua forma de agir não é muito diferente daquela dos nazistas frente às “depurações raciais”, da mesma maneira que as desculpas que encontrava para si mesmo não eram muito diferentes das que os nazistas davam ao serem questionados sobre seus atos – a alegação de que estavam apenas “cumprindo ordens”.

E aí está a idéia central e provocadora do filme – Teria sido eliminada a ideologia nazista no final da 2a. Grande Guerra ou ela persistiria entranhada no funcionamento das grandes corporações, evidenciando-se na maneira como estas tratam seus funcionários? A desumana e delirante ideologia nazista, que pregava a supremacia racial e a eliminação dos mais fracos seria muito diferente da igualmente desumana e delirante ideologia do lucro-a-qualquer-preço, que elimina todos aqueles considerados supérfluos a este objetivo? Se no nazismo a linguagem foi completamente subvertida, neutralizada para, de forma asséptica, tratar de assuntos inomináveis, o mesmo não ocorreria agora, quando, através de eufemismos e metáforas, ficam escamoteadas realidades como a miséria, o desemprego, o preconceito contra os imigrantes por parte das superpotências européias, a perseguição que lhes oferecem?

A superposição da ideologia nazista com a ideologia do lucro-a-qualquer-preço é mostrada por Klotz ao reproduzir nos subúrbios pobres da Paris de hoje – onde moram os imigrantes orientais, africanos, árabes, portugueses e espanhóis – as clássicas imagens de documentários sobre campos de extermínio e movimentações em massa de judeus forçadas pelos nazistas.

Simon teme estar perdendo sua sanidade mental ao ver tais cenas, pensa estar alucinando as situações do passado nazista. Mas, o que está ocorrendo é o oposto. Trata-se de sua percepção de uma realidade que até então lhe era inadvertida. Elas evidenciam sua conscientização da efetiva semelhança entre a ideologia à qual presta seus serviços e a dos nazistas.

Neste sentido, o filme faz uma grave critica ao chamado psicólogo industrial, que usaria de seus conhecimentos para manipular e condicionar os empregados aos objetivos da empresa. Seria o contrário dos objetivos da psicanálise, que visam ampliar o auto-conhecimento do sujeito pela integração dos aspectos até então inconscientes e reprimidos, o que lhe daria maior autonomia e melhores condições para enfrentar as tentativas exteriores de manipulação e controle.

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