Retrato analítico de Deus

Resenha de “A psicanálise e o religioso – Freud, Jung, Lacan”, de Philippe Julien, Zahar, Rio, 2010

A perda de referenciais estáveis trazida pela modernidade faz com que a psicanálise e a religião sejam procuradas como meios de reencontrar o sentido perdido.

Em seu livro, Philippe Julien procura estabelecer as aproximações e diferenças entre estes dois campos, a partir da visão de Freud, Jung e Lacan.

Freud visa mostrar as raízes inconscientes universais que alimentam a necessidade da religião.

A Psicanálise e o Religioso

Ela decorre da vivência de desamparo da criança, que, exposta a todos os perigos e incapaz de se defender contra eles, necessita da proteção e do amor de seus pais para sobreviver. As religiões decorrem da permanência no inconsciente do desejo infantil de proteção por parte de um pai todo-poderoso. Elas são uma criação do homem, não uma revelação divina.

Julien pensa que esta interpretação de Freud seria aplicável às religiões mais arcaicas e pagãs nas quais prevalecem deuses onipotentes, não se adequando ao judeu-cristianismo. Como um avanço frente àquelas, o judaísmo teria exercido uma dessacralização do mundo, ao abolir as imagens e representações visuais de Deus, restringindo-o à palavra, à linguagem. Por sua vez, o cristianismo teria ido mais além, ao encenar a morte de Deus na figura de Cristo, dando margem à concepção de um deus não mais onipotente e sim exposto a vicissitudes e fragilidades humanas, ou ainda, rompendo definitivamente a distância entre deuses e homens, na medida em que o Espírito Santo encontrar-se-ia entre nós.

Para Julien, a psicanálise e religião cristã afirmam a morte do pai (deus) todo-poderoso e falam da necessidade de elaborar o luto. Mas divergem na forma como se faria este luto, divergência que transparece nas posições de Jung e Lacan.

Jung, em completa oposição a Freud, entende a modernidade como um recalcamento da religiosidade, tida como evidência do sagrado criado por Deus no psiquismo humano. Lacan, por sua vez, vê a modernidade como um desdobramento do Iluminismo, que a psicanálise deve desenvolver à sua maneira.

O pequeno mas denso livro de Philippe Julien não é para leigos. Como para justificar sua complexidade, o autor lembra o que Freud disse em “A questão da análise leiga”, texto no qual defendia a idéia de que para exercer a profissão o psicanalista não precisava ser médico: “Freud demonstra que, diferentemente da medicina, o ensino analítico envolve história da civilização, mitologia, psicologia das religiões e literatura. Sem uma boa orientação nesses campos, o analista não consegue entender grande parte do material que a ele se apresenta”.

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