1) CASO ELIAN
Quatro grandes escritores latino-americanos escreveram pequenas peças frente ao calvário do menino Elian. Foram Gabriel Garcia Marques, Carlos Fuentes, Cabrera Infante e Mario Vargas Llosa. Dos quatro, apenas Garcia Marques defende Fidel, endossando a versão oficial de Cuba sobre os fatos.
A verdade é que o BUENA VISTA SOCIAL CLUB e o Caso Elian expõem de forma constrangedora o esboroar do castrismo em Cuba e isso é uma coisa muito dolorosa para muitos de nós que temos uma visão mais de esquerda. Acho que a posição de Garcia Marques mostra bem esta incapacidade, que muitos apresentam, de fazer o luto pelo sonho da revolução socialista como solução para os problemas da injustiça social. É preciso reconhecer os desmandos que a aplicação na realidade deste sonho produziu – sociedades totalitárias nunca vistas antes.
Penso que muitos não conseguem fazer esse reconhecimento por confundí-lo com um ter de abdicar de uma visão crítica das injustiças sociais. A meu ver são coisas diferentes e somente após o luto pelo sonho da revolução a esquerda poderá retomar um projeto mais realístico dentro das complexidades do mundo atual.
Uma das grandes contribuições de Lacan é sua versão estrutural do complexo de Édipo, onde fica bem ressaltada a enorme importância do pai enquanto representante e instaurador da Lei (nome-do –Pai). O caso Elian coloca esse problema de forma muito complexa.
Se tirarmos todo o desdobramento político desencadeado pelo fato, o que vemos é o ato de uma mãe que age como se o filho fosse um objeto de sua propriedade ou uma extensão narcísica sua, o que a faz levar esse filho para uma situação onde estará privado do pai, que – evidentemente – está excluído de todo esse processo.
Psicanalíticamente, seria correta a devolução da criança ao pai, ao invés de deixá-lo com os parentes maternos, como estes queriam, alegando que assim estariam cumprindo com o desejo da mãe de dar uma vida melhor para o filho, longe do totalitarismo castrista? O que seria melhor para a criança, viver numa “democracia” ou numa “ditadura” ?
Acho que aqui se superpõem dois níveis da realidade. Para a criança, é mais importante viver com o pai, com sua família, mesmo que seja numa ditadura totalitária, do que estar numa democracia mas adotado por outros que não a família. Isso fica patente com os tocantes depoimentos das crianças que quando Castro tomou o poder foram mandadas pelos próprios pais para os Estados Unidos, onde teriam uma vida “melhor”, “livre”, longe da ditadura, dentro do que foi chamado “Projeto Peter Pan”.
No caso de Elian, ele estaria com parentes maternos, não seria adotado por estranhos, como as crianças do Projeto Peter Pan. Mas Elian estaria simbólicamente com a mãe, representada por seus parentes e, consequentemente, privado do pai. Assim, parece correto, psicanaliticamente falando, sua devolução ao pai. Como não conhecemos as pessoas envolvidas, estamos falando teóricamente, pois é claro que a paternidade biológica não implica necessariamente no adequado exercício da função paterna, o mesmo acontecendo com a maternidade biológica e a função materna.
Ao aplicar a lei paterna, a castração simbólica que rompe a relação simbiótica narcísica com a mãe e que instaura a subjetividade desejante no filho, o pai exerce sua função mais importante. Mas ele é também o mediador entre os filhos e os valores da sociedade em que vive, ele é o representante das leis que regem determinada sociedade. Nesta posição, ele poderá assumir diferente papéis, quer se identifique com as leis advindas da órdem política vigente ou não. No caso Elian, por exemplo, seu pai pode ou não concordar com as leis castristas.
Seria muito curioso – mas aí não mais do ponto de vista psicanalítico e sim político – se ele, o pai, tivesse autonomia para efetivamente escolher, agora que está nos Estados Unidos, voltar ou não para Cuba. Carlos Fuentes sugere que ele vá morar na Espanha com o filho. Cabrera Infante diz que os “santeros”, seguidores do sincretismo religiosos afro-ocidental (os equivalentes a nossos macumbeiros) profetizam que se Elian não voltar para Cuba, isso seria um sinal de que Fidel finalmente cairia. Como os “santeros” são extraordinariamente populares, Fidel estaria muito preocupado com o retorno para garantir-se mais algum tempo no poder.
2) CORRUPÇÃO
As notícias sobre corrupção nos mais variados estratos de nossa organização política têm atingido níveis que beiram ao insuportável. Ninguém aguenta mais saber todos os detalhes das mais variadas falcatruas e perceber a quase total impunidade que cerca os infratores. Teme-se que isso estimule a nostalgia do rigor ditatorial, onde supostamente não ocorriam tais desmandos. É claro que isso é uma ingenuidade. Tanto mais ditatorial e censurado, mais corrupto é o poder.
O que vivemos agora é um momento histórico difícil, que lembra metaforicamente o momento em que, numa análise, caem as repressões e o material reprimido vem à tona num momento onde o ego ainda não organizou formas de defesa mais maduras ou organizadas, provocando uma certa desorganização inevitável dentro da mudança estrutural em curso. Impulsos agressivos e eróticos aparecem e provocam, às vezes, atuações complicadas.
Uma forma de tornar mais tolerável o intolerável é entender este momento como um período de transição num processo de crescimento democrático e de cidadania. Se antes a corrupção grassava secreta e impune, hoje ele não é mais secreta, expõe-se aos olhos de todos e se seus executores não são ainda punidos com o rigor da lei, não deixa de ser verdade que – ao serem expostos – sofrem um certo ainda que doce demais para meu gosto ostracismo político e social.
3) FESTAS DOS 500 ANOS
Poderia ter havido algo mais sintomático e revelador de nossa realidade político-social do que esta festa que supostamente deveria comemorar os quinhentos anos de nossa Descoberta? A desorganização, a falta de planejamento, a exclusão dos índios, o isolamento político do poder, etc, etc.
Por outro lado, a manifestação de uma sociedade viva e contraditória, construindo sua identidade aos trancos e barrancos, como se pode ver na emocionante e belíssima exposição no Parque do Ibirapuera.
Um momento certo para agradecer a Gilberto Freyre, este que primeiro conseguiu esboçar o nosso rosto.