FREUD: CONFLITO E CULTURA

Mostra organizada pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, em exposição no MASP

A exposição “Freud: Conflito e Cultura” tem uma longa história.

Ao ser proposta em junho de 1995 pelo curador da Biblioteca do Congresso, Michael Roth, estava ele inadvertidamente reacendendo uma acerba polêmica iniciada nos anos 70, envolvendo a história oficial da psicanálise e seus vários revisionistas, liderados por Peter J. Swales. Tal polêmica centrava-se na atitude da IPA e dos Freud Archives, chefiados por Kurt Eissler, que – por mais de 40 anos – recusara acesso a historiadores de documentos inéditos ali depositados. Tal atitude excessivamente sigilosa deu margem a desconfianças e a uma proliferação de fantasias denigratórias que tomou corpo num movimento que terminou por ser chamado de “Freud bashing” (espancamento de Freud).

Assim, ao ser pensada a exposição – que deveria ser montada pela IPA e pelos Freud Archives – todo o lobby revisionista se articulou fazendo pressões para que fossem introduzidos entre os organizadores da exposição pessoas ligadas a uma visão mais crítica e contestadora da psicanálise. Peter J. Swales organizou um abaixo-assinado com este teor. Como tal questionamento não teria sido aceito pela IPA e pelo Freud Archives, a exposição foi cancelada em dezembro de 1995, com a desculpa esfarrapada de falta de fundo. Novos abaixo-assinados foram realizados, um deles liderados pela psicanalista e historiadora da psicanálise Elizabeth Roudinesco, questionando tal cancelamento. Como resultado final, a exposição foi finalmente organizada para o outono de 1998, com a inclusão dos historiadores revisionistas. Tal política foi imposta para a apresentação da exposição nos demais lugares que passaria a visitar. A versão brasileira é a quarta a se realizar.

Como ecos desta disputa, no dia 14 de novembro, foi publicado um artigo em “Tendências e Debates“, na página 3 da “Folha de São Paulo“, com o título “Complexo de Édipo e Pedofilia“. Este artigo pode ser lido na internet, acionando-se o site do jornal e seu arquivo. No dia 30 de novembro, ali saiu a resposta que julguei necessário fazer àquele amontoado de informações truncadas. Abaixo está a reprodução do mesmo.

INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA

Sérgio Telles

O leitor deste jornal, sabedor da pretigiosa exposição “Freud: Conflito e Cultura”, montada pela Biblioteca do Congresso americano e atualmente em exibição no Masp, deve ter ficado perplexo ao ver nesta página, no dia 14 pp, o artigo “Complexo de Édipo e Pedofilia”. Ali o autor, um psicólogo do Paraná, diz ser o complexo de Édipo “uma fraude montada corporativamente para substituir a teoria da sedução”, o que desautorizaria etica e moralmente a Freud, colocando-o na posição de impostor.

Tais escandalosas afirmações foram também proferidas quando da organização da exposição em Washington, o que provocou um adiamento da mesma. Fazem elas parte do que se convencionou chamar nos Estados Unidos de “Freud bashing” (espancamento de Freud), decorrente – entre outras coisas – de uma visão revisionista radical da história da psicanálise, que contesta – de forma fantasiosa e caluniosa – a história oficial.

Esta visão revisionista, como diz Elizabeth Roudinesco – importante historiadora da psicanálise – aparece como reação ao excessivo zelo daqueles que se julgavam responsáveis pela história oficial da psicanálise: a International Psychoanalytical Association (IPA), que mantem o controle e a gestão do Sigmund Freud Archives (Arquivos Freud) , criado por Kurt Eissler e depositado na Biblioteca do Congresso americano. Diz ela: “(…) a política de retenção conduzida por Eissler com a concordância de Anna Freud, iria revelar-se catastrófica, como sublinhou o historiador Peter Gay: ‘A opção pelo sigilo, à qual Eissler esteve e continua muito firmemente ligado, só pode incentivar a proliferação dos mais extravagantes boatos sobre o homem (Freud) cuja reputação quer proteger’.”

Essa situação teve seu ponto crítico quando Eissler ao invés de abrir os arquivos a historiadores profissionais encarregou um jóvem e brilhante analista, Jeffrey Masson, de coligir papéis para uma nova edição da correspondência entre Freud e seu amigo Fliess. Masson, para constrangimento de todos, ao ter acesso a novos documentos, faz deles uma leitura leviana e equivocada, transformando-se num contestador radical do “establishment” psicanalítico e da própria teoria psicanalítica. O fruto desta sua aventura foi o livro, publicado em 1980, “Assalto à Verdade” (José Olympio Editora – Rio – 1982), onde estabelece a tese que o autor do artigo acima citado repete.

No momento o Arquivo Freud, dividido em “séries” (A, B, E, F e Z) está aberto aos pesquisadores, com exceção da série Z. Esta ficará plenamente acessível no ano 2100.

É necessário dizer que a mudança que Freud fez, ao abandonar a teoria da sedução (quando acreditava na realidade fática dos abusos sexuais na infância relatados pelas pacientes histericas) e criar a teoria do complexo de édipo (quando dá prioridade à fantasia realizadora de desejos destas pacientes), diz respeito a uma importante questão teórica para a psicanálise, na medida em que aponta para as duas vertentes essenciais do acontecer psíquico – a realidade externa e a realidade psíquica, interna.

As teorias pós-freudianas se alinham entre as que privilegiam mais uma vertente ou outra, o que faz com que o psicanalista francês Jean Laplanche as classifique em teorias “ptolomáicas” (mais centradas na realidade psíquica) e as “copernicanas” (mais centradas na realidade externa). Nestas últimas fica clara a importância fundamental do Outro, o poder traumático de seu desejo, causador da alienação estrutural na qual todos nós nos constituimos.

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