A História da Psiquiatria nos mostra como somente no final dos séculos XVI e XVII firmou-se a idéia de que os distúrbios psíquicos tinham causa natural, o que levou a um abandono das explicações sobrenaturais advindas das crenças mágicas e religiosas. O louco deixa de ser um “possuído pelo demônio”, sai do campo da religião e recebe seu estatuto de doente, fica sob o poder dos médicos.
Lemos agora no “Estadão” (27/1/99) que a Igreja Católica finalmente revisa seu manual de exorcismo, que se mantinha inalterado desde 1614. O manual reafirma o poder do Demônio e relembra sinais mais evidentes de possessão – o possuído “fala línguas desconhecidas, evoca coisas ocultas, mostra força física incompatível com idade e saúde, exibe veemente aversão a Deus, à Virgem e à Cruz”. A grande novidade é a recomendação de alerta aos exorcistas para que evitem confundir distúrbio psíquico com possessão demoníaca. Em caso de dúvida, os exorcistas devem recorrer à opinião dos psiquiatras.
Quase quatrocentos anos foram necessários para que a Igreja reconhecesse, ainda que parcialmente, que alguns “possuídos” podem estar em surto psicótico. Aí se vê bem a extrema resistência da Igreja em assimilar conhecimentos que coloquem em questão seus dogmas. O que não é de admirar se levarmos em conta que o pensamento religioso é absoluta e efetivamente incompatível com o pensamento científico.
Como se sabe, em O FUTURO DE UMA ILUSÃO Freud analisa o sentimento religioso e suas implicações individuais, sociais e culturais. Continua sendo um texto extremamente atual e sua leitura cada vez mais imprescindível, nestes tempos onde grassam os fundamentalismos e os misticismos das mais variadas laias.