CAPTURANDO OS FRIEDMAN E ALGO MAIS

O documentário “Na captura dos Friedman” (Capturing the Friedmans, 2003), de Andrew Jarecki, foi indicado para o último Oscar da categoria e ganhou o prêmio do grande júri do Sundance Film Festival, além daqueles dados por críticos de cinemas de onze grandes cidades norte-americanas.

O filme expõe a tragédia que se abateu, nos anos 80, sobre os Friedman – Arnold, Elaine e seus três filhos, David, Seth e Jesse. Arnold é um professor aposentado que – juntamente com seu filho mais novo – dá aulas de computação em sua própria casa para as crianças de seu bairro de classe média alta.

O andamento da família desaba com as acusações de pedofilia que são dirigidas ao professor e ao filho mais novo. Eles foram condenados e encarcerados. O pai se suicida na penitenciária e o filho cumpre mais de dez anos de pena. O filho mais velho recusa-se a crer na culpa do pai ainda hoje, jogando toda a culpa na mãe e o filho do meio não se manifesta, não quis participar das filmagens. A mãe rememora todo o caso num misto de isolamento e dissociação.

O documentário repousa sobre entrevistas com a Elaine, David e Jesse, com o irmão de Arnold, advogados, jornalistas, policiais, escritores, psicólogos. Seu trunfo maior é a inclusão das filmagens domésticas realizadas por um dos filhos que tinha por hobby documentar cenas familiares. Nelas vamos ver desde inocentes cenas de festas de aniversário até as amargas discussões realizadas no auge da crise.

Qual é o interesse de um filme como esse, com um tema tão pesado e um desdobramento dos mais melancólicos, mostrando uma família encurralada e se debatendo num beco sem saída?

Talvez nos sirva como uma advertência contra os juízos apressados, as conclusões rápidas demais, as simplificações tranqüilizadoras. Talvez seja um apelo à compaixão frente a nossa compartilhada miséria humana.

Como se deu a tragédia dos Friedman? Arnold recebia pelo correio revistas pornográficas de pedofilia. Por essa via, a polícia chega até ele e em sua casa descobre uma coleção destas revistas. Ao tomarem conhecimento de que ele dá aulas para crianças, os policiais logo concluem que ele as teria molestado sexualmente. Para confirmarem a suspeita iniciam uma longa série de interrogatórios com as crianças e seus pais, desencadeando uma verdadeira histeria coletiva na pequena comunidade. As crianças que negavam o abuso eram pressionadas a confirmarem-no, os pais que consideravam improvável aquelas acusações eram discriminados. Várias crianças então fizeram declarações fantasiosas e inverossímeis, que – no entanto – foram validadas e deram base para o processo que culminou com o julgamento e condenação de pai e filho.

O que vemos mais? A clara fascinação que a mídia exerce sobre as pessoas. Policiais, advogados, pessoas envolvidas, pais, professores, colegas, todos encantados com a oportunidade única de aparecerem na televisão. A tragédia dos Friedman é mero veículo para a realização do desejo obsessivo que consome a tantos – ter um pouco de notoriedade, os famosos quinze minutos de fama que vão dar lastro a vidas talvez sentidas como obscuras e sem sentido.

Texto integral em O Psicanalista vai ao Cinema II.

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