A HUMANIDADE – o filme, de Sylvia Loeb

Numa pequena cidade da Normandia, um crime hediondo é cometido: uma menina de onze anos é estuprada e assassinada. Um oficial de polícia é designado para desvendar o caso. A partir deste fato, o filme nos brinda com uma amostra das misérias do mundo. Muito menos o que é mostrado na tela, muito mais o que é sentido pelo oficial.

A cidade: vazia, limitada no horizonte geográfico e na arquitetura; amesquinhada.

As pessoas: poucas falas, comunicação econômica, quase que só factual.

Trilha sonora: nenhuma.

Longas tomadas, cenas paradas, estética feia.

O (anti)heroi, Pharaon, olhar estatelado em direção a um universo que não compreende e não pode articular, sem equipamento de intermediação para falar um mundo horrendo, profundamente impactado pelos acontecimentos.

A heroína, Domino, jovem mulher bonita como as coisas da natureza bruta. Também pouco equipada para processar a complexidade de um mundo que não compreende nem aceita.

O sexo é usado por ela, mais do que por prazer, como um escape e uma catarse das angústias que a acometem.

Filme estranho que usa de imagens sexuais perturbadoras para falar de outra coisa.

Na primeira cena em que Pharaon cheira Domino na praia, à saída do forte, fecha os olhos e perde levemente o equilíbrio, pensamos tratar-se de um momento erótico, sensual. Mas o diretor não nos deixa essa saída. Há algo além, enigmático.

Quando Pharaon cheira de forma quase animal o traficante de drogas, depois sai da sala, cheira as próprias mãos, a perplexidade do espectador cresce ainda mais. Que código é esse, que usa sinais conhecidos para nos perturbar o senso? É como se fosse algo monstruoso, com todos os traços do humano, porém o produto final estranhamente desagradável, não reconhecível.

Os gestos são quase homossexuais mas definitivamente não se trata disso.

Quando Domino se oferece sexualmente a Pharaon e ele recusa, começamos a vislumbrar algo…Na cena seguinte ele se encontra em sua pobre horta, acariciando dálias vermelhas, dizendo a elas de sua beleza. De forma indizível diz a Domino a poesia e a beleza do amor, do sexo, impossível para essas pessoas.

A cena da vagina de Domino aberta para a platéia, ocupando toda a tela do cinema, num silêncio absoluto de som, é uma das mais pungentes paisagens de solidão.

Vagina vazia e desocupada de um pênis amoroso.

Vagina usada e abusada, desabitada de amor.

Amor que Pharaon tem de sobra mas não sabe como dar, nem o que fazer com o que sente.

Só sabe que sente horror. E piedade.

Um homem atacando um outro. Pharaon vê de longe, do topo de um edifício, afastado pela distância e pelo vidro da janela – impotência absoluta diante da violência do mundo.

No final do filme, quando finalmente o assassino é descoberto, o gesto de Pharaon não poderia ser outro: após um grito de susto e indignação ao reconhecer o amigo no criminoso, beija-lhe a boca, até estancar o choro convulsivo do assassino.

O segredo parece desvelar… usa o cheirar, o beijar, o tatear, de modo tosco e quase animal. É o único modo que dispõe – da forma a mais primitiva – de mostrar sua piedade.

É ele e o outro, imersos todos num mundo brutal e violento. Só o tatear instintivo, o abraço desajeitado, o beijo, o respirar um dentro do outro, para estancar a angústia pura, o desamparo abismal.

É um filme profundamente religioso.

Que fala de compaixão.

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