Tempos sombrios e culpas – Resenha de “Katmandu e outros contos” de Anna Maria Martins

Tempos sombrios e culpas – Resenha do livro “Katmandu e outros contos” de Anna Maria Martins (*)

Sérgio Telles

Reza a lenda que foi a ficcionista Márcia Denser, em uma de suas boas sacadas, quem deu a Anna Maria Martins o título de “arquiduquesa”, com o que todos concordamos. O refinamento da escritora evoca idealizadas figuras da alta aristocracia nas quais os séculos depositaram camadas e camadas de civilização. Mas é importante lembrar que sua elegância e a finura não se atêm ao apuro formal no trato com os demais. Brotam de seu interior, decorrentes que são da delicadeza de seus sentimentos.

Se estivéssemos aprisionados num estereótipo, poderíamos temer que os escritos de uma autora com tão gentis traços pessoais pudesse seguir as trilhas da ficção tíbia e convencional. Não é este o caso, pois Anna Maria Martins faz literatura, e da boa, exercendo com perícia a arte do conto. Seus textos fortes e bem articulados fluem com desembaraço, o que não exclui rompimentos surpreendentes da linearidade narrativa. Anna Maria Martins tem uma obra elaborada e pouco extensa. Este Katmandu e Outros Contos traz textos de seu livro homônimo de 1983 e de outros dois volumes – A Trilogia do Emparedado e Sala de Espera. Os 20 contos que ele enfeixa mostram um vasto repertório – do conflito de gerações e de evocações do tempo negro da ditadura a confusões de identidade e culpas enlouquecedoras. São relatos ricos de elipses, subentendidos e insinuações que apelam para a inteligência do leitor, nos quais se detecta o olhar agudo e irônico com o qual a autora constrói as situações vividas por seus personagens.

(*) Publicado no caderno Sabático do jornal “O Estado de São Paulo” em 10/09/2011

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