REVISTA MENTE & CÉREBRO

Entrevista de Sergio Telles à Revista Mente & Cérebro – 26/01/2009

O PSICANALISTA VAI AO CINEMA II

Está nas livrarias o mais recente livro do psicanalista e escritor Sérgio Telles, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. O psicanalista vai ao cinema II, lançado pela Casa do Psicólogo, reúne textos curtos sobre 26 filmes de diretores europeus, brasileiros, norte-americanos e latino-americanos. Telles privilegiando produções recentes, mas também reserva espaço a obras de diretores consagrados como Ingmar Bergman, Alain Resnais e Pier Paolo Pasolini. Dentre os filmes, estão os brasileiros Tropa de Elite e Santiago; os eutrangeiros Volver, A vida secreta das palavras e Lucia e o sexo, Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Adaptação e Babel e O labirinto do Fauno. Veja a seguir, a entrevista do autor.
Mente&Cérebro – Cinema e psicanálise são contemporâneos, ambos subvertem o tempo cronológico e suscitam reflexões que fogem à linearidade. Quais outros paralelos e relações o senhor vê entre essas duas práticas, esses dois olhares?

Sérgio Telles – Penso que a psicanálise tem uma grande proximidade com a arte na medida em que ambas procuram simbolizar, criar sentidos e formas a partir de estados mentais obscuros e incompreensíveis. Por vias diversas, a arte e a psicanálise proporcionam ao homem um inestimável conhecimento sobre si mesmo, ampliando a percepção de seu mundo interno e de suas relações com o outro. É sob esta perspectiva que vejo a relação entre cinema e psicanálise. Além do prazer estético específico que somente elas nos podem proporcionar, as estruturas narrativas ficcionais da literatura e do cinema oferecem ao psicanalista uma fonte inesgotável de conhecimento. O cinema, mais até do que a literatura, estabelece uma imediata familiaridade com todo e qualquer espectador devido a sua grande semelhança formal com os sonhos, que, como sabemos, é via regia para o inconsciente.

M&C – Como e quando descobriu o cinema em sua vida? Qual sua relação afetiva com o cinema?

Sérgio Telles – Provavelmente como a grande maioria das pessoas da minha geração, desde muito cedo fui levado ao cinema e ele sempre foi fonte de grande prazer. Morando em Fortaleza nos anos 50, antes da chegada da televisão, o cinema, além de entretenimento extraordinário, era uma janela aberta para o grande mundo lá fora.

M&C – Não raro, pacientes fazem referências e associações que remetem às tramas dos filmes. O cinema tem permeado sua prática clínica? De que maneira?

Sérgio Telles – Os pacientes nos relatam suas vidas, suas preocupações, seus medos, suas angústias, seus sonhos, seus amores e ódios, seus desejos sexuais, suas loucuras. Esse relato, que é feito em ritmo de associação livre, usa de todo o repertório cultural próprio a cada paciente. É claro que aqueles que gostam de cinema frequentemente se identificam com personagens e situações expostas nos filmes e incluem tal material em seus relatos, proporcionando ao analista mais elementos para sua compreensão.

M&C – Como onde surgiu a idéia de produzir livros O psicanalista vai ao cinema I e II ?

Sérgio Telles – Acho que o cinema é excelente meio para divulgar a psicanálise e foi com este intuito que escrevi estes livros. Penso ser a esse um dever de todo psicanalista, especialmente num momento como este que atravessamos, no qual a descoberta freudiana do inconsciente é totalmente desconsiderada e relegada a um segundo plano, considerado uma “velharia” frente a novos produtos como o cognitivismo.

M&C – Qual seu critério para selecionar os filmes?

Sérgio Telles – Escolho aqueles filmes nos quais o enredo privilegia os conflitos psíquicos internos dos personagens, fazendo com que suas manifestações inconscientes aflorem, criando situações que me estimulam a produção de interpretações e construções psicanalíticas. Supostamente o espectador deveria se identificar com tais personagens e situações, realizando uma catarse, como Freud descreveu ao analisar a reação da platéia ao assistir Edipo Rei, de Sófocles. Mas, tal como naquela ocasião, isso se dá sem que o espectador entenda seus motivos. Ao propor-lhe uma interpretação, da mesma forma como Freud nos proporcionou, gostaria de aumentar a compreensão do leitor tanto da obra como de si mesmo.

M&C – Acredita que seus textos poderiam ser usados na prática terapêutica (em grupos, instituições etc.)? De que maneira?

Sérgio Telles – Algumas vezes fui abordado por professores de psicologia que me disseram usar o livro em suas aulas como ilustrações da teoria, o que me deixou muito feliz.

M&C – Seria possível escolher três entre seus filmes preferidos e dizer por que os prefere?

Sérgio Telles – É uma difícil escolha, mas no momento me vem à mente todos os filmes de Peter Greenaway e de David Lynch. Eles me proporcionam um grande prazer intelectual ao me obrigarem a encontrar um sentido naquilo que seria mais fácil desprezar como sendo de impossível compreensão. Refiro-me especificamente ao Inland Empire, o último filme de Lynch.

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