Adivinhe o que está faltando – sobre as selfies dos “manginas”

Sérgio Telles

Nas últimas semanas tem circulado nas redes sociais selfies nas quais homens de aparência viril aparecem despidos, sozinhos ou em grupos, escondendo seus penis e testículos entre as coxas, de modo a aparentar um púbis feminino. O enigma da pose é elucidado pelo fato de intitularem tais fotos como “manginas”.
“Mangina” é um neologismo norte-americano resultante de fusão entre “man” e “vagina” (pronuncia-se mendjáina) que significa algo como “vagina de homem” ou ‘homem vagina”.
O Urban Dictionary – dicionário on line de gírias norte-americanas, aberto como o Wikipedia e que estatísticas recentes afirmam receber mensalmente 72 milhões de consultas – lista cerca de 145 entradas para esse vocábulo, a maioria referente a homens que não fazem uso da masculinidade tal como convencionalmente esperado, bem como a práticas homossexuais e manobras realizadas por travestis para ocultar os órgãos genitais. Entre os significados mais importantes da palavra está a caracterização irônica e derrisória do homem heterossexual que, de tanto enaltecer as mulheres e defender seus direitos, esquecem os próprios, terminando por adotar uma atitude de passiva submissão frente a elas.
Nos selfies, os homens que escondem o pênis ridicularizam os “manginas”, mostrando-os como castrados que abdicam de seus dotes masculinos por sujeição ao poder feminino.
O “mangina” é o oposto do machista. Enquanto o machista desvaloriza a mulher por considerá-la um ser inferior que deve ser submetido e dominado, o “mangina”a idealiza, celebrando-a como um ser superior ao homem.
Apesar de estarem em polos opostos, “manginas” e machistas se perdem nos labirintos das diferenças entre os sexos.
Ao contrário dos outros animais, para os quais a diferença entre os sexos é fator de inequívoca atração, nos seres humanos, por termos deixado o reino da natureza e ingressado na cultura, essa diferença, além da atração, nos provoca também estranhamento e desconforto.
Isso se deve à persistência no inconsciente da forma como a mente infantil lida com as diferenças sexuais. Para a criança, a diferença entre os sexos não é um dado natural e sim o resultado de uma mutilação, de uma castração, evento ocorrido no contexto narrativo da tragédia edipiana.
O machismo tem raízes nessas teorias sexuais infantis sobre as diferenças entre os sexos: os homens se veem como portadores do falo e por isso desprezam as mulheres que dele estariam privadas. As mulheres, também presas às teorias sexuais infantis, sentem-se diminuídas e invejosas do pênis que os homens possuem.
Essa clássica formulação freudiana recebeu inicialmente muitas críticas do movimento feminista, mas no momento há uma maior compreensão e aceitação da mesma, pois ficou mais claro que o falo é o representante de uma completude narcísica inalcançável, da qual somos todos – homens e mulheres – obrigados a desistir.
Além do mais, a atitude arrogante e violenta do machista contra a mulher está ligada a arcaicas vivências com a mãe. Esconde o primitivo temor que ela lhe inspira, decorrente do desamparo frente a ela, uma figura onipotente de quem dependia completamente para sobreviver. A isso se acrescenta o medo que seu genital lhe desperta por evocar a temida castração e o ódio por ter ela preferido seu rival, o pai.
No nível individual, há o ressentimento do menino contra a mãe que o “abandonou” pelo pai. No nível social, o machismo – o homem atuando uma vingança odiosa contra as mulheres, representantes da mãe que outrora detinha todo o poder.
A truculência do machismo, vigente por tantos séculos, deve ser combatida com todas as forças. Mas para tanto, como afirmam os desinibidos e debochados que posaram nas selfies, os homens não precisam abdicar da masculinidade. Ao que se pode acrescentar, nem as mulheres de sua feminilidade.
A luta do feminismo contra o machismo é um processo em andamento e tem produzido formas invertidas como casais constituídos por mulheres fálicas, mandonas, impositivas, masculinizadas e homens castrados, passivos, submissos, justamente os “manginas”, avacalhados nos selfies.
Ao exibirem jocosamente uma inequívoca compleição física masculina com um inesperado púbis feminino, aqueles homens brincam com as diferenças anatômicas entre os sexos e com os vários níveis da angústia de castração, transitando desde o heterossexual “feminista”, ao homossexual, o travesti e o transexual.
Algo semelhante faz o austríaco Tom Neuwirth que interpreta um personagem, a cantora Conchita Wurst. Travestido como mulher, mantém uma cerrada barba negra, discrepante com o resto de sua figura. Na mesma linha se apresentava o grupo Dzi Croquettes nos anos 70, aqui no Brasil.
Enquanto o travesti e o transexual abdicam transitória ou definitivamente de um dos sexos – o que tinham originalmente – e adotam por completo o outro, nos casos acima o sexo original não é deixado de todo, dele restando elementos que são expostos de forma ostensiva.
As questões ligadas ao gênero são bem conhecidas e estudadas. A novidade trazida pelos selfies “mangina” consiste no fato de se apresentarem de forma explicita, o que só é possível em função da mudança nos padrões de moralidade e dos avanços tecnológicos que permitem uma difusão instantânea e maciça.

(*) Publicado no caderno “Aliás” do jornal “O Estado de São Paulo” em 16/05/2015

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