HITLER MUSSOLINI PACHECO

“PRESO FILHO DE DIRETOR DA POLÍCIA DE GOIÁS – GOIÂNIA – O filho de Hitler Mussolini Pacheco, diretor da Polícia Civil de Goiás, foi dominado ontem pela Polícia Federal após resistir, com uma pistola 380, durante duas horas e quinze minutos ao mandado de prisão da Justiça Federal”.

A notícia, publicada no Estadão tempos atrás, continuava, mas fiquei preso ao nome enunciado, Hitler Mussolini. Que levaria os pais a darem um nome assim para um filho? Essa escolha pareceu-me sintomática, reveladora, expondo claramente uma fantasia talvez decorrente de como viveram a realidade da Segunda Guerra Mundial, a forma como responderam emocional e intelectualmente àquela realidade que neles teria desencadeado desconhecidas e inconscientes repercussões.

Elaborei algumas hipóteses. A primeira: desinformação, desconhecimento. Perdidos nas profundezas do sertão brasileiro, ouvindo confusas notícias sobre a conflagração que se desenrolava na longínqua Europa, os ingênuos pais admiram dois dos grandes senhores da guerra, Hitler e Mussolini. A seu ver, são eles detentores de um poder extraordinário, capazes de desafiar o mundo inteiro, que – ameaçado – se organiza e une para enfrentá-los. Os pais atribuem a seu rebento o nome destes novos deuses da guerra, quem sabe desejando para o filho um destino tão grandioso e importante como lhes parece ser o daqueles guerreiros. Imaginamos que eles ignoram totalmente o porquê e o como desta guerra.

Segunda hipótese. Os pais, ideológicamente comprometidos com o nazismo e o fascismo, identificados com aqueles que lideram tais movimentos, a seu ver grandes homens, dão a seu filho o nome dos líderes admirados, desejando, da mesma forma descrita acima, que o filho venha a ter tanta liderança e poder quanto aqueles dois. Muitos outros, ligados a outras correntes políticas, pensaram da mesma forma que estes pais. Quem já não deparou com Lenines e Stalines andando por aí?

Podemos supor que eventualmente, com o correr do tempo, estes pais poderiam ter reconsiderado suas posições. Os ingênuos e desinformados teriam um dia tomado conhecimento da violência e destrutividade desencadeadas e comandadas por aqueles que uma dia consideraram herois. Da mesma forma, os comprometidos ideológicamente teriam repensado suas idéias, abandonando as convicções iniciais.

Se a modificação das posições teria sido uma possibilidade para os pais, o mesmo não teria valido para o filho, obrigado a carregar para sempre um nome com a marca da violência e da destrutividade.

Pelo inusitado, Hitler Mussolini suscita um certo impacto revelador da fantasia dos pais. Mas não é muito diferente quando os pais resolvem dar a seus filhos um nome prosaico e comum, como Francisco ou João. A simplicidade ou banalidade de tais nomes disfarçam um fato estrutural, pois seja qual for o nome que os pais escolham, nele sempre estarão embutidos seus desejos, fantasias e expectativas inconscientes em relação a este filho.

Claro que o desejo inconsciente dos pais não vai se manifestar apenas na escolha do nome, esta é apenas uma evidência, às vezes gritante, como no caso de Hitler Mussolini. A criança antes mesmo de nascer, já ocupa um lugar no inconsciente dos pais e será alvo de suas projeções, depositário de uma massa imensa de conteúdos mentais.

Na verdade, é assim que nos constituímos como sujeitos humanos. É recebendo e processando esta massa de fantasias paternas e a ela reagindo, com ela interagindo. Não é outra coisa a afirmação lacaniana de que estamos alienados no desejo do Outro.

Hitler Mussolini carrega, como dissemos acima, o fardo de seu nome, mas não só. Carrega – como todos nós – o peso inalienável do desejo e da fantasia de seus pais, que o constituiram como sujeito humano. Podemos supor o constrangimento e o embaraço que tal nome deve ter trazido a seu portador, gerando fortes e ambivalentes sentimentos frente aqueles responsáveis por tal estado de coisas.

O seco laconismo da notícia que deu margem ao lacanismo destas observações talvez esconda uma pequena tragédia. Ali se é suscintamente informado que Hitler Mussolini chegou a ser uma autoridade, é o Diretor da Polícia Civil de seu estado. Ali está explicitado que seu filho teve de ser rendido pela Polícia Federal após um cerco de mais de 2 horas, no qual se defendia com uma pistola 380 de um mandado de prisão.

Tudo isso possibilita levantar importantes questões: teria Hitler Mussolini, ocupando o cargo que atingiu, realizado ou destruído as fantasias paternas que deram origem a seu nome? Teria o comportamento de seu filho, atuando um episódio cheio de violência e destrutividade ao agir como um fora-da-lei, algum nexo com tudo isso? Seria possível vislumbrar aí a forma como uma fantasia paterna se expressa e organiza na sucessão de diferentes gerações?

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