Depois de Lucia, um filme quase insuportável

“Depois de Lucia”, de Michel Franco – um filme quase insuportável

Sérgio Telles

É quase insuportável assistir “Depois de Lucia”, filme do mexicano Michel Franco que recebeu o prêmio “Un certain regard”, no festival de Cannes de 2012.

Não por ser um filme ruim mas pela dureza com que Michel Franco conduz sua narrativa, gerando no expectador um desconforto que atinge níveis transbordantes e perdura mesmo depois do inquietante final.

A trama é contada de forma reticente, sabe-se o essencial, muito fica subentendido. Pai e filha mudam de Puerto Vallarta, cidade na costa do Pacifico, para a Cidade do México, após a morte, num acidente de carro, de Lúcia, esposa e mãe na família. O pai procura trabalhar como chef num restaurante, a filha tenta se adaptar à nova escola. Ele mostra dificuldades para se entrosar no novo emprego, a menina, ansiosa para agradar ao novo grupo, se envolve numa situação embaraçosa (tem um vídeo exposto na internet), deixando-a exposta a intenso e infindável bullying, ao qual se submete em silêncio, sem esboçar nenhuma resistência. Quando os adultos finalmente tomam conhecimento dos fatos, a destrutividade toma novos e inesperados rumos.

A incapacidade de elaborar o luto parece ser a causa de tudo. Mãe e filha estavam no carro acidentado e a filha – inferimos no desenrolar do filme – está submersa na culpa comum aos sobreviventes. A passividade masoquista com que se submete aos tormentos do bullying que sofre no colégio mostra a necessidade de punição por se sentir culpada pela morte da mãe, que concretiza a fantasia de triunfo edípico: matou a rival e ficou como único objeto de amor do pai.

Pai e filha não falam sobre a morte de Lucia. Seu nome só é mencionado rapidamente num inquérito policial. A menina diz para os colegas que a mãe está viva, o pai abandona na rua (com a chave dentro) o carro consertado depois do acidente. Para enfrentar a perda de Lucia, ambos têm como único recurso a negação. Pensam que a mudança geográfica os liberaria dos sentimentos penosos trazidos por sua morte.

O  bullying é um mecanismo grupal através do qual um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus  membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Apenas muito recentemente rompeu-se a negação que envolvia tal fenômeno em grupos adultos ou infanto-juvenis. Nas escolas, onde é tão comum, até bem recentemente era ignorado e tido como inocentes “brincadeiras” sem maiores consequências.  É importante que o bullying seja reconhecido e combatido, e que ajuda psicológica seja dada ao grupo e especialmente àqueles que sofreram mais diretamente os ataques agressivos.

 

Uma das reflexões que dificilmente qualquer um que veja o filme deixa de fazer é sobre a maldade humana. Como a agressividade do grupo se volta contra os mais frágeis e incapazes de se defender, somos levados a concluir que o que impede o exercício da violência sobre o outro não é a compaixão e o respeito, é apenas o medo da retaliação. No momento em que fica claro que a violência não será revidada, que, por algum motivo o atacado não reagirá com igual força, ao invés de se arrefecer o ímpeto de destruir o indefeso, intensifica-se a agressão, deixando-a fora de qualquer controle.

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